quarta-feira, 13 de julho de 2016

"Oh querida!"

Todos os dias eram assim, ele entrava em seu carro, com o mesmo cabelo cheio de gel, as costas levemente curvadas, seus óculos pendurados sob seu peito. Levava suas mãos até a boca e me mandava um beijo ,eu fazia o mesmo , e o guardava rapidamente no bolso, nunca saia sem fazer isso, era uma regra que tínhamos. 
  O passeio que mais gostava de fazer com ele era ir ao mercado.Bom!Sei que isso não parece um passeio,mas era o único lugar que ele me levava. Era "mágico", eu tinha o poder de ter qualquer bolacha da prateleira. Sempre queria ajudá-lo com as sacolas, mas ele dizia "Não precisa, eu carrego! Pode ir com as mãos abanando", nem retrucava, apenas obedecia. Em seus momentos mais calmos pegava-o cantando, sempre a mesma música:
 - "Oh,querida!Oh,querida!Oh, querida Clementina! Lalalalalalalalalalalla"
 - Vô? Quem é Clementina?- questionei uma vez.
 - Não sei, é apenas uma música!
  Era como se a música fosse pra mim, e eu fosse a tal da Clementina. Mas um dia ele parou de cantar, nos afastamos um pouco, imprevistos acontecem e os laços podem se desatar a qualquer momento. Sinto dizer que não me lembrava dessas coisas, até que hoje senti saudades disso. Fiquei no mesmo lugar  de quando era menor, ele entrou em seu carro, e estava um pouco mais curvado do que me lembrava, os óculos fazia com que seus olhos aumentassem,  apenas esperei o nosso pequeno ritual que não aconteceu . Apenas me disse  "Tchau" e saiu, olhei atentamente para o retrovisor onde via seus olhos esbugalhados, tinha a esperança de que ele se lembrasse, mas não ...
  Me veio um aperto no coração, e descobri que as piores perdas que temos são aquelas que estão presentes.

Nenhum comentário:

Postar um comentário